Queria ser um poeta do século passado
Queria escrever um poema brega
falando das árvores, das flores
falando do vento, das cores
da manhã e de tudo que eu não vejo nesse momento
Queria um poema cego
surdo, mudo, careta
Um poema sentado num banquinho
olhando a praia de Copacabana
Queria nesse momento escrever sobre o mundo
O mundo que não me vê
O mundo que não entende
por que eu não posso escrever
Queria rimar amor com dor, ar com ar
seguir a técnica, fazer um soneto
usar palavras difíceis pra encher linguiça
e me esquecer ao que vim
Queria ser um velho poeta caído do século passado
empoeirado numa estante sendo comida de cupim
tocar meu violão dizendo paz&amor
ouvir quê dizem as rosas do jardim
Queria por um instante dizer nada com nada
não escrever poemas, apenas jogar palavras
chamar poema de poesia, se fingir de alienado
procurar uma rima sem contexto, sem pecados
Queria ser um poeta chato, maçante, intelectualóide
Que entrou pra academia e se mumificou naquela poltrona
e nunca levantou a voz pra ler um poema
e nunca gritou pelas ruas de madrugada
Que nunca amou com exagero e intensidade
que nunca chutou uma lixeira por revolta
Que nunca bebeu uma cerveja no gargalo
que nunca fumou chá de saquinho pra ver se dava onda
Que nunca sentiu o poder de conversar com Iemanjá no meio das ondas
que nunca fez uma garrafa de poesia e jogou ao mar
Que nunca soube o que era arte
que nunca fez nada visceral além de cagar
Que nunca escreveu um palavrão que nem mesmo ousou falar
que nunca se perguntou se devia continuar
Que nunca quis se matar
que nunca saberá da minha existência
que se souber, vai se incomodar
Queria eu ser um poeta de merda dizendo mentiras
fingindo que a vida é bela só pra variar
Dizendo que estes revolucionários não sabem o que é arte
dizendo que a poesia morreu no século passado
Mas não sei por que diabos eu gosto de ser jovem
Ainda que estes anos me acordem dia após dia
Eu me conformo em ser um destes revolucionários
que não sabem fazer poesia!
Isa Blue