domingo, 19 de dezembro de 2010

Tragédia Romântica



Pra não me lembrar que existe algo a mais, esqueci quem sou, esqueci minhas dores, meus sonhos, meus amores. Deixei pra trás os projetos nas gavetas. Eu me fechei, me tranquei no quarto e esperei essa tal de cura pelo esquecimento. Pelo escurecimento. Memórias não tenho.


Pra não lembrar que existe algo profundo, parei de ver filmes com histórias de amor, e de me cobrar finais felizes. Parei de acompanhar novela das oito, das sete, das seis, das quatro. E só não larguei os livros, porque era fácil virar a página. 


Pra não lembrar que existe algo antigo pulsando, com cheiro de contos-de-fadas, tão mofados, numa espécie de infância da alma, varri pra debaixo do tapete as farpas das flechas, os estilhaços do espelho, meus cacos em mosaico. Falhas, fatos, farrapos. Esqueci os detalhes, apaguei os vestígios. Guardei todos os mortos no fundo do armário.


Matei meus amores, minhas mágoas, meus votos. Pedi o divórcio e acabou.
Enterrei meu coração e escrevi um epitáfio:


Aqui jaz quem nunca soube - e por isso nunca esqueceu - o que era o amor.



                                      Isa Blue.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O caminho da pedra







On The Rocks




Esse não é o tipo de pedra
que se vê com um olhar
olhe mais de perto
pode ser jabuti
ovo de passarinho
cocô de bicho
ou um ponto
no meio da frase.
Esse é o tipo de pedra
pra se cheirar
pegar na mão
dixavar atrás de semente
grão de areia que diga
quantos anos tem a pedra
levar à boca
ver se derrete.
Esse é o tipo de pedra
que emerge do caminho
apontando os meios
e as meias sujas de terra
o mundo mexe com ela
o mundo muda e ela
muda
se quebra se cresce
e vira parte de tudo
como tudo que morre
e se comove
como tudo que vive.
Essa pedra que é só uma pedra
que sonha
poderia ser eu ou você
se a evolução quisesse
se a gente soubesse
se evoluir apra pedra
até não saber mais
o que
onde
e todas as perguntas irritantes
que as pedras não se fazem
elas mudam
mudas
e jazem.






Blue, a colecionadora de pedras.

domingo, 5 de dezembro de 2010

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Queria ser um poeta...







Queria ser um poeta do século passado

Queria escrever um poema brega
falando das árvores, das flores
falando do vento, das cores
da manhã e de tudo que eu não vejo nesse momento
Queria um poema cego
surdo, mudo, careta
Um poema sentado num banquinho
olhando a praia de Copacabana
Queria nesse momento escrever sobre o mundo
O mundo que não me vê
O mundo que não entende
por que eu não posso escrever
Queria rimar amor com dor, ar com ar
seguir a técnica, fazer um soneto
usar palavras difíceis pra encher linguiça
e me esquecer ao que vim
Queria ser um velho poeta caído do século passado
empoeirado numa estante sendo comida de cupim
tocar meu violão dizendo paz&amor
ouvir quê dizem as rosas do jardim
Queria por um instante dizer nada com nada
não escrever poemas, apenas jogar palavras
chamar poema de poesia, se fingir de alienado
procurar uma rima sem contexto, sem pecados
Queria ser um poeta chato, maçante, intelectualóide
Que entrou pra academia e se mumificou naquela poltrona
e nunca levantou a voz pra ler um poema
e nunca gritou pelas ruas de madrugada
Que nunca amou com exagero e intensidade
que nunca chutou uma lixeira por revolta
Que nunca bebeu uma cerveja no gargalo
que nunca fumou chá de saquinho pra ver se dava onda
Que nunca sentiu o poder de conversar com Iemanjá no meio das ondas
que nunca fez uma garrafa de poesia e jogou ao mar
Que nunca soube o que era arte
que nunca fez nada visceral além de cagar
Que nunca escreveu um palavrão que nem mesmo ousou falar
que nunca se perguntou se devia continuar
Que nunca quis se matar
que nunca saberá da minha existência
que se souber, vai se incomodar
Queria eu ser um poeta de merda dizendo mentiras
fingindo que a vida é bela só pra variar
Dizendo que estes revolucionários não sabem o que é arte
dizendo que a poesia morreu no século passado
Mas não sei por que diabos eu gosto de ser jovem
Ainda que estes anos me acordem dia após dia
Eu me conformo em ser um destes revolucionários
que não sabem fazer poesia!


Isa Blue
Ele tinha uma alegria inteira que pulsava dentro
e explodia por todos os poros
Uma agitação, uma inquietação de sorrisos
e me mostrou que não se deve ter medo
de cair e nunca mais levantar
porque a gente já sabia voar
Era que a gente tinha uma chave mágica
pra lidar com essas coisas da vida
Era só a gente sorrir pra noite
que enchia as ruas de poesia
Ele tinha uma alegria inteira que completava a minha
e me ensinou que a vida é simples quando a gente deixa ela sorrir.



Isa Blue (a um pássaro secreto)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Por onde a gente vai...


A PASSAGEM
(Ledo Ivo)

Que me deixem passar - eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar, exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.
Mas caso me proíbam de passar
por ser eu diferente ou indesejado
mesmo assim eu passarei.
Inventarei a porta e o caminho
e passarei sozinho.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Hino do Brasil (Reformulado)

Essa é uma letra minha em homenagem a todos os brasileiros, principalmente aos que Vêem.


HINO DO BRASIL - Reformulado
(letra: Isa Blue)

Ouviram-me pirando nessas páginas
Um corpo cai sem um braço retumbante
E sem a liberdade, ensaio fútil
Brincou de ser a pátria figurante

Se o senhor da minha vontade
conseguirmos subornar com carros-fortes
Pelo meio, a liberdade
De um jeito decadente e sem suporte

Ó Pátria armada,
Idiotizada
Salve! Salve!

Brasil, um sonho enterro, em solo esquecido
De inveja e de ganância o olho cresce,
Se em teu feioso céu cinzento e ríspido
A miragem do Real desaparece

Diante dessa nossa "esperteza"
É pelo esporte que cometo o roubo
E o meu futuro é pela safadeza

Terra roubada,
Ninguém te viu
no meu Brasil
com notas falsas!
Desvio deste solo a um mais gentil
E vão
pra puta que o pariu!


Deitado vendo TV eu me esqueço
Do som dos gritos vindos lá do fundo
Censura no Brasil fodão da América
Alienados no Terceiro Mundo.

Mas na Terra já sofrida
Seus tristonhos filhos brancos em TV à cores
Nossos jovens não têm vida
E nossa vida é a Bolsa de Valores.

Ó Pátria armada,
Idiotizada,
Salve! Salve!

Brasil de amor eterno, cego e cínico
A lábia que ostentas do meu lado
E diga o velho agouro, o céu em chamas
Paz pr'um futuro povo sem passado.

Mas se esquece em dar justiça à massa pobre
Verás um filho teu jogado à rua
Com fome, como escória, à própria sorte.

Terra odiada,
Entre outras mil
É a mais hostil
Mais enganada!
Teus filhos estão mortos, mãe gentil
Pútrido Brasil!








quinta-feira, 28 de outubro de 2010

De Cara

(figura extraída do livro 'Morte e Vida Severina', João Cabral de Melo Neto)


De Cara


Não é nada,
Só essa cara amarela
do dia que passa
Corrói minha calçada
esse sol
que não tem mais nada a fazer
do que ficar esquentando minha cabeça.
Não é nada,
É só essa chuva fina
esse dia frio
Essa cara azul
de quem venta
Que não tem moral
pra me cobrar sorrisos.
Não é nada,
É só o meu caro vizinho
que anda virado
e não pára,
e resolve discutir na madrugada,
e atira coisas no chão,
na parede, no teto,
e dá descarga
às seis da manhã.
Não é nada,
É só um passado pesado
atrelado feito mordaça
É só um futuro negro sem cara
erguido sobre uma base quebrada.
Não é nada,
É só ter que acordar todo dia
e viver uma vida emprestada
e pagar juros sobre juros
pra se deteriorar na rotina
ou numa cara garrafa de cachaça.
Não é nada,
É só a minha cara amarrada
e meu senso-crítico
que me impedem de ser aceita
e sorrir pra qualquer mancada.
Eu não acho a vida perfeita
e não acho a vida sem graça,
mas se a vida tivesse corpo,
com toda certeza,
já teria levado
um tapa na cara!



Isa Blue

sábado, 23 de outubro de 2010

Coração burro...




Coração estúpido,
só gosta de quem não gosta da gente
gosta de sangrar, de sofrer, de sentir
o sentimento mais puro do mundo
é aquele que vai nos destruir.

Coração burro,
não ama ninguém
ama todo mundo
Tantas penas, tantos planos
tantos sonhos que se foram
e as marcas que deixaram
ainda doem lá no fundo.

Coração infeliz!
Quem mandou você viver
quem mandou você existir?
Você nasceu pra eu morrer
e tantas vezes viu meu fim

Coração idiota!
Mais burra sou eu que te ouvi
e te dei corda
Por sua causa sou um farrapo
por sua causa sou um alcoólatra
Sei que vou morrer só
e você ainda vai rir por último
no fim da luta

Coração filha da puta!


(Isa Blue)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

"A gente faz amor por telepatia..."

(...pela falta de identificação, doa-se este poema. rs*)





Amor por Telepatia


Desafio de imaginar
seus fios de cabelo
roçando em minhas coxas
suas mãos presas fáceis
em meus seios
o suor nas suas costas
molhando meus dedos.

Desafio de imaginar
como é seu corpo
seus pêlos seus pentelhos
seu pau e seu gosto
e que gosto tem o seu gozo
e onde estarão seus dedos
e como será seu sexo?

Desafio de imaginar
sua pele colando
como seus olhos me comem
seu cheiro de homem
sua carne macia
seus ruídos seus gemidos
se me bate ou me beija
se sou puta ou deusa
se me fode ou faz amor
...seja como for.

Desafio é de esperar
E você, será que já pensou?
será que se masturbou?
será que gozou na minha cara?
na mesma cama que faremos amor
quem sabe já se concretizou
a nossa primeira transa
imaginária.


Isa (red) Blue

Chave de Sol





Chave de Sol
(Isa Blue claro) rs

A manhã me esbarrou sorrindo
Enfim tudo ficou claro
Tinha um raio de sol particular
Amanheci do lado de fora
E do lado de dentro
Aurora.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

ZINE

Pega aí meu zine, pra quem não tem. O próximo está vindo! (Para ampliar a imagem é só clicar em cima.)


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Ciúmes




Oi? Ciúmes? Tenho sim
Ciúme de você e de mim
Ciúme da sua cama vazia
e ciúme da minha
Ciúme de quem pode te olhar
todos os dias
Ciúme do olho-mágico
da sua vizinha
Ciúme do bar
em que você fica
Ciúme do olhar
das outras meninas
Ciúme da cerveja
no seu copo
Ciúme do suor
no seu corpo
Ciúme de um amor
do passado
Ciúme dos retratos
no seu quarto
Ciúmes? Tenho e não demonstro
são só monstros
atordoados
pelos nossos encontros.




Isa Blue

POEMASBR - ISA BLUE

sábado, 2 de outubro de 2010

Sexta À Noite




Eu acredito na sexta-feira à noite como acredito na Ave Maria
como acredito no Hare Krishna
como acredito na igreja batista
Eu acredito na sexta à noite como um conto-de-fadas
como uma história que se torna real
como a felicidade roubada
Eu acredito na sexta à noite como a voz do silêncio
como o sucesso dos ideais
como o amadurecimento
Eu acredito na sexta à noite como uma pornochanchada
eu subestimo os seus cardeais
visito almas penadas
Eu acredito na sexta à noite como a voz dos funerais
como quem decreta quem está certo
como quem recita imortais
Eu acredito na sexta à noite
como a voz do amor
como a voz ultravioleta do eterno pavor
Eu acredito na sexta à noite como a hora sem alcance
onde tudo pode e tudo acontece
onde tudo está a lance
Eu acredito na sexta à noite como à Bíblia que diz
que todo mundo tem livre arbítrio
onde o mundo é feliz.





Isa Blue

Dois rimam




Se era um jogo, nenhum de nós sabia.
Se éramos manipulados por questões diversas, isso era explícito.
Ele insistia em carregar nos ombros
as dores de que proviam humanidades
Ela insistia em carregar tristezas
e culpas em seu calibre apático.
Eles eram feitos um para o outro
disso se tinha certeza
ele era feito de saudades
e ela, de tristezas
Um era louco por feridas
outro, por desencantos,
um se perdia por inteiro
outro amarrava o seu canto
mas dois eram inteiros
quando a voz balançava em seus prantos
Dois eram tiros certeiros
quando um condizia seus encantos.


Isa Blue

Questão de Escolha




Eu sei a sua verdade
porque seus olhos são janelas
onde me debruço
sob qualquer sinal de aviso
Eu sei a sua amizade
porque me rendo e te rendo
por vezes me enredo
nas tuas encostas
Eu sei a diversidade
porque te aceito
assim como me vens
sem múltiplas desculpas
Eu sei a sinceridade
porque te olho e me vejo
com simplicidade
diante de tantos desejos
Eu sei a simplicidade
porque é você
a simples escolha
de ser quem você é.



Isa Blue
(sob influências)

domingo, 26 de setembro de 2010

Pede um Rock'n Roll



Tenho um amigo que nasceu de um pé de rock'n roll
uma gaita toca ele
o Largo dos Leões se alarga pra receber seu sorriso
caiu de maduro, rolou morro abaixo
pendurou claves de lua no espaço
e muito além da via láctea
cuspiu borboletas de ferro
roubou as chaves da porta do céu
atirou em pássaro-porco
e atravessou pro outro lado da rua
em zigue-zague
dentro daquelas noites azuis
...com ele até as rosas viram blues.


Isa Blue


Ao meu amigo Ricardo Wagner, gaitista, que diz que "lá em cima daquele morro tem um pé de rock'n roll!"
Referências a Beyond The Milky Way (Iron Butterfly), Knockin' on Heavens Door (Bob Dylan), Pigs On The Wings (Pink Floyd), Break On Throught (The Doors).

(a imagem é uma pintura de Gustavo Saba.)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Aconselhamento espiritual...?

Hoje eu vim contar uma história diferente. É real e aconteceu comigo hoje. Vim escrever aqui pois não tenho mais um blog místico. E espero sinceramente que, se tiver alguém aqui que acredita em espíritos, me dê uma luz sobre este evento.

Eu sempre fui sensitiva e nunca tive medo, mas depois que meu filho nasceu eu nunca mais vi nada "sobrenatural". Sempre me disseram para eu procurar o espiritismo para trabalhar a mediunidade, Mas eu não tenho religião, por isso nunca fui. E por eu não ter religião, também nunca batizei meu filho.
Meu filho vai fazer 3 anos. Ele nasceu prematuramente, de 28 para 29 semanas de gestação, de parto natural sem indução, no quarto do hospital sem assepsia, e graças a deus, perfeito, no dia 2 de outubro de 2007, por coincidência, Dia do Anjo-da-Guarda. E confesso que admiro o anjo da guarda dele, pois ele realmente desafia a gravidade. (já sabia disso desde que ele estava mexendo numa pilha de caixas da mudança e as caixas caíram em cima dele, ficando amparadas por "não-sei-o-quê" de uma forma gravitacionalmente IMPOSSÍVEL, enquanto ele se encolhia embaixo, tentando se proteger.)
Hoje aconteceu uma coisa estranha. Eu estava indo dormir e por estar sentindo frio, me cobri com o edredon até a cabeça. Meu pai tinha acabado de ir dormir e apagar todas as luzes da casa. Meu filho tem dormido na cama comigo, pois fica mais fácil fazê-lo dormir, já que ele não tem sono cedo.
Pois bem, estava deitada e meu filho do meu lado. Daí ouvi um barulho de estalo, como se alguém estivesse entrando no quarto. Pensei: "Deve ser meu pai ou minha mãe que vieram ver se o menino está coberto." Mas senti uma coisa estranha, era uma energia muito baixa, tanto que eu tive medo, e só consegui dormir depois de rezar Pai Nosso e Ave Maria(e eu nem sou católica, mas minha família é). Fosse quem fosse, ficou de pé ao meu lado por bastante tempo e não tive coragem de olhar. Fazia barulho como se estivesse procurando alguma coisa e ouvi ruídos de respiração.
Tive sonhos bizarros esta noite. (Coisas como estar em Friburgo, morando num cemitério porque minha mãe não queria sair de lá, e de ter aparições na nossa casa que não nos deixavam nem sequer entrar. E de um ser estranho feito de fumaça que queria nos atacar enquanto tentava convencer minha mãe a voltar pro Rio.)

No meio da madrugada, meu filho virou ao contrário, botando os pés perto do travesseiro. Eu até briguei com ele porque queria que ele botasse a cabeça no travesseiro, mas ele continuou do mesmo jeito.
Pela manhã, acordei com um grande barulho: Duas prateleiras, que ficam na parede encostada na cama, haviam despencado, ficando presas só por um prego e arremessando todos os livros ao meu lado. Nem esbarrou em mim, mas se meu filho não tivesse se virado à noite, teria caído tudo em cima dele...

Na mesma hora juntei as duas coisas. E hoje perguntei aos meus pais se algum deles tinha entrado no meu quarto de madrugada e os dois disseram que não. Nenhum deles tinha sequer ouvido as prateleiras caírem e, como sabem que eu sou sensitiva desde pequena, perguntaram se eu tinha sentido alguma coisa, eu então contei a história para eles.

O que vocês acham?

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Combustível Adjetivado




O que é bom ou ruim, assim como o que é feio ou belo, só se sabe diante de uma comparação.
Eu, como todos, nasci sem estas questões. Quando olhei-me no espelho a primeira vez, não vi se era bela ou feia, apenas vi-me como era. Quando olhei meus pais, ali estavam meus pais. Sem adjetivos.
Nunca consegui atribuir adjetivos às pessoas que gostava. Dizer como eram, ver com olhos de padrão, pois se eu amava, eram especiais, como então poderiam ser comparados ao padrão?
Minha dificuldade em dizer o que é bonito chegou a um extremo que essa pergunta chega a me dar calafrios. O sofrimento pode ser bonito, a chuva pode ser feia, a morte pode ser bonita, a flor pode ser feia. Jamais saberia dizer.
Não seria mais honesto, em vez de perguntar se é bom ou ruim, se é belo ou feio, perguntar o que isso significa para você?
Felizes são as crianças e os animais que não conhecem os adjetivos.



Isa Blue

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Trôpega




Será que eu vou beber uma garrafa de cerveja no Largo dos Leões olhando a lua?
Ou será que eu vou beber a lua olhando o Largo dos Leões?
Será que eu vou beber os Leões e olhar o Largo da lua?
Será que eu vou largar os leões e beber a cerveja?
Será ou que eu vou beber com os leões na lua e largar a cerveja?
Talvez eu tropece no Largo dos Leões e caia na lua.
Talvez eu tropece na lua e caia dentro da garrafa de cerveja.
Talvez eu tropece na garrafa de cerveja e caia em mim.


Isa Blue

O Dedo de Deus









Imagem
(Isa Blue)

Não nos deixemos
servir à realidade
como se a sua voz
bastasse,
como uma varinha de condão,
para transformar
fumaça em concreto.
a poesia caiu sobre minha cabeça
fazendo um galo.
fosse assim,
todas as coisas boas
guardava no bolso.
não jogue essas
palavras pegajosas
na minha cara
acabei de tomar banho.
você seria dono
dos nossos destinos
falou: pedra !
e pedra aparece
falou: curva !
e curva se faz.
não lhe desejo mal, mas
quem te deu
essa mania de deus
afinal?






Essência
(Isa Blue)

Viverei de e para a poesia
serei dela e ela inteirinha
e, um dia, quando dela não estiver mais ávida
deixe que eu vire pó, e tu,
vires a página.

sábado, 7 de agosto de 2010

CABARÉ DA POESIA

Esses vídeos foram gravados pela PERSONAL FILMES no sarau CABARÉ DA POESIA, idealizado por Cairo e Denizis Trindade.

SOCIEDADE DA PARANÓIA (Isa Blue):
http://www.youtube.com/watch?v=64---nA_3xc

BEM VINDOS A BORDO (Elllas&Os Monstros):
http://www.youtube.com/watch?v=1Hn3k9hqe98

DONAS (Manoel Herculano):
http://www.youtube.com/watch?v=lNqbkgWCtpQ

ESSE POEMA (Louis Alien):
http://www.youtube.com/watch?v=dyyOlmj83fk

AGORA ESTOU NUA (Kyvia Rodrigues):
http://www.youtube.com/watch?v=EFfN0MLwWeA

HINO AO RIO DE JANEIRO - "Amor Sem Fim" (Alexandre Blasifera):
http://www.youtube.com/watch?v=tzUF-Za61wk

MULHER MAIOR (Denizis Trindade):
http://www.youtube.com/watch?v=L4vcIUjogQ4

DUAS BOCAS (Denizis Trindade, c/ participação especial de Isa Blue, Alda Passos e Clauky Boom):
http://www.youtube.com/watch?v=tOs8MGfu_88

NOVA TROPICÁLIA (Cairo e Denizis Trindade):
http://www.youtube.com/watch?v=qucyC9xGZtA

O Sopro do Dragão























O Sopro do Dragão
(Isa Blue)

lá vem você de novo
com seu sorriso encantador
formando convicções informais
na fumaça de um cigarro
no frenético ciciar de uma cigarra.
você diz que a sociedade sofre
do sopro do dragão. Alega:
formações rochosas na área craniana,
enquadramento gramatical das linhas poéticas,
enrijecimento da região perianal
(mais conhecido por CDF),
Joãos e Joanas com amputação dos membros
                                   [superiores,
portas batidas detendo extensões caudais,
cartilagens auditivas eqüideas, sustentando,
                                   [em massa
prosopopéias flácidas para acalentar bovinos.
mas, nada se sabe além do nada.
vai que as pessoas se alegram em acharem ser?
pois, apesar da ignorância ousada,
ousadia maior é poder achar sem saber.

domingo, 25 de julho de 2010

Reputa-quem?




Nunca me preocupei com a minha reputação. Deve ser por isso mesmo que nunca a tive.
No colégio, era uma estrela apagada, sempre pelos cantos, fugindo das "aborrescentes" que implicavam comigo pelos motivos mais bestas do mundo; o cabelo arrepiado, o andar sorumbático, ser repetente, falar baixinho, a acne que me atacava... Não gostava dos colegas de sala, eram ricos, metidos e eu sempre ficava na minha. Elas sempre preocupadas em arrumar os cabelos. Eles sempre preocupados em serem os carrascos. Sempre me senti muito diferente.
Assim fui, até entrar pra poesia e descaralhar de vez. Sempre caguei dois quilos pro que as pessoas pensassem de mim. Se minha roupa estava suja, amassada ou furada. Se meu cabelo estava castanho, lilás ou de sete cores.
Se não tinha cadeira, sentava no chão. Se não tinha mesa, o copo estava no banco. Se tinha vontade de tomar uma cerveja, ia no boteco da esquina. O mais pé sujo, no meio dos bêbados e trovadores das madrugadas, lá estava eu, menina nova e já com uma péssima reputação.
Ah, o bar da esquina... Foi lá que eu comecei a perceber que esse negócio de reputação é um engano, talvez uma vingança, só serve para ser aplicado contra seus inimigos.
Chamavam de arara, na encolha, quando botava o cabelo de pé, eu nem aí.
Chamavam de vagabunda, de puta, por ficar com quem eu queria, eu mandava tomar...
Tudo muito às escondidas, pois quem me conhecia mesmo, achava era muito simpática.
A gente acha o que acha das pessoas, todos guardamos algum julgamento dentro de nós, pro bem ou pro mal, e externar ou não é só uma escolha, uma questão de saber conter sua língua.
Me viam com uma mulher, já diziam que eu era sapatão.
Me viam com um amigo e já diziam que era namorado, ficante, sainte, e até já recebi conselho de quem achava que eu estava apaixonada. Amigo também se abraça, ou será que não?
Nunca fui fã do "falem mal, mas falem de mim.", mas passei da menina sem-reputação para a menina com a pior reputação. Será que foi uma evolução?
Seja como for, quando eu morrer, vou virar santa.


Quando eu morrer, joguem minhas cinzas no boteco da esquina.


Isa Blue

domingo, 18 de julho de 2010

Presa Fácil



As grades do seu corpo
prenderam nossas almas
nas masmorras do castelo que construí.
Nunca fui cega
mas há correntes invisíveis
que prendem sem você sentir.
E pedra sobre pedra
quebra regras rasga fados
ninguém se livra por querer.
Estou presa em seus olhos
E a liberdade é o mal
que eu nunca desejei ter.


Isa Blue.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

...Varrendo o Passado.




Sempre é preciso mais que um aviso
para se encontrar o caminho.
Meu passado é uma mentira.
Não quero mais
me esconder atrás de uma garrafa
pra fingir que todas as noites
são mágicas.
Se quando acordo
estou sempre só.
Se não me importo com nada.
É que só você sabe olhar a minha alma.
Eu não quero mais fugir
da solidão nas noites calmas.
Só quero o sossego do meu quarto
quando puder, os seus braços
e todos os outros pedaços,
que eu vou andando...
e se puder, uma amnésia relâmpago
que é pra não lembrar o quanto me traí
e quanto me perdi por aí
enquanto você não estava olhando.
As mentiras que eu criei
e o quanto magoei
aquele que confiava tanto.
Hoje, eu, que sempre condenei o tempo
só espero, com ânsia, que ele passe
correndo!
...varrendo todas as lembranças.



Isa Blue

terça-feira, 6 de julho de 2010

"Assassinas de pombos!"




Meu pai é daqueles que pegava passarinho na infância. Tinha trocentas gaiolas de todos os tipos. Sabe diferenciar um sabiá-laranjeira de um sabiá-coleira. Coisa que eu não faço nem a paulada! Eu sei o que é uma rolhinha, um pombo, uma coruja...mas bota um filhote de urubu e uma galinha preta na minha frente que eu não sei qual é qual. Me pergunta sobre cachorro, deixe os passarinhos com ele.
Teve uma época que ele cismou com pombos. Jogava milho pros pombos na rua e na pracinha. Muita gente reclamava e ele comprava todas as brigas por causa dos bichinhos. Não sei porque tanta gente odeia pombos. Dizem que transmitem doença. Se eu não me engano, nós também, e todo tipo de animal vivo. Aliás, somos nós quem jogamos lixo nas ruas e os obrigamos a comer nossos restos. É por isso que muitos ficam doentes e não podemos reclamar se transmitirem algo para nós.
Meu pai ficava observando os pombos, ainda em Ipanema, e se desconfiava que algum não estivesse se alimentando bem, pegava e levava pra casa. Já vieram pombos com pata ferida, pombos com coisas amarradas nas pernas, e até uma pombinha que estava com o bico necrosado. Esta última, não estava conseguindo comer, pudera, devia estar doendo pra caramba! Levamos ela no veterinário, meu pai chegou a dar antibiótico pra ela, enfiava uns grãozinhos dentro da boca dela, e ficava lá...na gaiola...o dia inteiro...esperando o resultado. No final, parte do bico dela caiu. Mas pelo menos estava curada. Meu pai resolveu que ia cuidar dela pro resto da vida. Lembre-se que o tempo médio de vida de um pombo é de 20 anos!!! Minha mãe e eu, como não estávamos nada felizes com essa história de pombo na gaiola, resolvemos soltá-la. Ele deu um escândalo. Por muito tempo fomos chamadas de "assassinas de pombos".
Eu fico pensando que merda de vida deve ser ficar presa numa gaiola com um maluco enfiando caroços pelo meu bico. Não queria ficar a vida inteira trancada numa gaiola para minha proteção. Eu prefiro morrer livre do que viver presa.
Na verdade, quem vai dizer se ela está viva ou não? Se ela morreu por não conseguir comer ou por outro motivo qualquer? Eu acredito na natureza, e acredito que ela conseguiu dar um jeito. Essa conversa de passarinhos-de-gaiola que não conseguem se virar quando soltos, é pura besteira. Eu tive um bem-te-vi que viveu comigo por quase um ano, numa gaiola, pois peguei ele caído do ninho. Uma vez o soltei na praça e ele, que nunca tinha tido contato com esse mundo, subiu numa árvore e começou a comer formigas. Todo animal quando se vê na rua, dá um jeito. Até um poodle é capaz de resgatar suas origens, seus instintos mais primitivos. Pois se até nós conseguimos virar selvagens...
Eu te desejo belos vôos.


Isa Blue.

sábado, 3 de julho de 2010

Pirando na piração dos outros

(nada melhor pra pirar do que uma Rê Bordosa.)



Escrever é solitário. É masturbação. Estava lendo um blog e comecei a ter espasmos literários.
De repente me lembrei das banalidades que tanto me incomodaram nos últimos dias. Eu não costumo reclamar das pessoas e suas futilidades, acredito que dentro dessa nossa humanidade haja espaço para todas as vertentes e ruas-sem-saída, mas não entendo e, confesso, tenho medo de entender o que faz um ser-humano definhar sua vida com garrafas de solidão.
Todos os dias ele está no bar, às vezes, irreconhecível de tão cinza. Tem cara daqueles velhos que vão ter derrame ao 65 anos e não passarão dos 72. Só fala abobrinhas. É abusado e recalcado. E me odeia porque eu nunca dei mole pra ele. Só o vejo com mulheres imaginárias.
Dias desses me disse um desaforo. Não tenho raiva. Seu semblante me enoja. Ele se junta com os seus e só os seus o aturam. Questão de energia. É um tipo que ninguém sente falta.
No bar existem todos os tipos de gente. Gente ruim, gente boa, gente analfabeta e gente pós-graduada, gente que mora em mansão e gente que mora na rua, gente casada e gente solteira, gente como a gente e gente que você nunca imaginou. O que mais tem é gente perdida, que lá no fundo sabe que está no lugar errado, mas falta um aviso luminoso em letras garrafais. Ou ainda, um motivo.
Eu não sou esse aviso luminoso - a nossa luz só atinge a quem se importa. - Recebi o meu. Decerto, estar em movimento é mais perigoso. Mas hoje olho aquelas moscas no bar batendo contra a luz e entendo o que são as igrejas, porque existe tanta gente cega. Quando se está perdido, não importa onde se está, se você estiver em grupo, estará confortável.
Meu carro vai sozinho pelas ruas e acho que essa liberdade os assusta, mas não posso parar, outros estão correndo do meu lado no mesmo fluxo. Me sinto viva. A noite ainda me incita, mas os avisos são bem grandes. À noite, as ruas são mais vazias. E eu gosto do vazio. De estar no aguardo para o próximo dia. Um lobo sóbrio e entorpecido pela lua. E se eu morrer não vai ser nos fundos de um bar, mas numa cama quentinha com meio metro de coração preenchido. Ainda peço duas garrafas de café. E não vou sozinha. A poesia vai comigo. E vai sorrindo.

Isa Blue

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Inadmissível



um sorriso lateral aconteceu quando fizemos as pazes, a amizade estava refeita, brincava comigo pra me deixar à vontade, as conversas se misturavam.
Ele disse, Eu não gosto disso, Gosta de quê então? não sei qual era o assunto, bloqueei, podia ser balinha de caramelo, mas ele estava abraçado comigo na minha frente, e depois eu percebi com estranheza que nossas bocas se atraem.
Ele tonteou e se jogou no sofá dizendo Por que você fez isso? Eu só disse que não gostava, e você..., Eu? Eu que te beijei?, na verdade eu ainda não teria percebido que ninguém tomou a iniciativa, falei, Quando um não quer, dois não...pontinho-pontinho-pontinho. Isso teria sido o ápice da noite, ele jogado no sofá me olhando sem acreditar, eu sentada ao lado dele tentando dizer que não fui eu, mas de quê importava quem tinha sido? Pára!, Parar...?, Pára de ficar brigando contra isso, eu disse. E vi as máscaras no chão. E vi ele no sofá. Até que ninguém precisasse dizer do que gostava, pois nos conhecíamos muito bem.
E assim aconteceu. Até onde a gente queria e não sabia admitir. 


Isa Blue

terça-feira, 22 de junho de 2010

Senzala



A Casa-Grande estava desolada pelo espanto
o sol nem sabia se entrava ou saía
Vestidos de seda caçavam meninas antigas
em seus cabelos tranças cheiravam à épocas distantes
Um indício de vento subia pelos bigodes do senhor
e sua cara se tornava mais amassada ainda
quando berravam as chicotadas podia se ter certeza que o cavalo era negro
e as carroças sempre traziam a tarde com elas
num barraco muito pobre a África cantava
que mesmo debaixo do inferno nunca se perdeu da sua magia
alguns fugiam na noite e viravam poeira
algumas deitavam seu corpo e esqueciam suas almas
muitos foram animais
todos foram gente
Tanto tempo se passou que o tempo se perdeu
e veio gente da cidade
A família nova não sabia o que era essa sombra
debaixo da soleira da porta
mandaram tirar aquele tronco do meio do pátio
construíram um campo de futebol
Às vezes se ouvia uma cantoria no fundo do quintal à noite
O lugar tinha lá suas considerações finais.




Isa Blue

domingo, 13 de junho de 2010

Amores - Tonho França

(escultura de Antonio Canova; "Cupido e Psichè")


Amores
(Tonho França)


Amores ficam na retina, nas redes vazias,
entre primaveras tardias, nos poemas que cantam
estrelas arredias pousando em mares ternos.
Amores ficam, amores eternos,
nas gavetas trancadas das lembranças eternizadas,
nos outonos tantos de ipês amarelos
amores ficam, amores eternos,
nas praças com nome de Marias ou Helenas,
nas igrejas, nos campanários,
na saudade que dispensa calendário
amores dançam nos casacos antigos invernos
melodias que ardem nas brasas quietas da lareira,
no vinho que embriaga o cálice nas sextas-feiras
nas horas em que anos dilacero, sentimentos imutáveis
amores ficam, amores eternos,
ainda que inalcançáveis
amores serão sempre amáveis...



terça-feira, 8 de junho de 2010

Em Ponto de Fusão




Preciso encontrar um lugar pra mim no alto de uma árvore, nos fundos de uma casa abandonada, um lugar que cheire à solidão. Um lugar secreto que seja só meu esconderijo, no final de uma rua escura, no recôndito de uma praça, onde o tempo não me encontre e passe rasteiro. Pode ser qualquer lugar que se preencha de mim quando eu chegar. A porta fechada de um bar, o meio-fio inteiro, um canteiro, uma obra, um terreno baldio. Tem que haver um lugar secreto em que eu veja o mundo e o mundo não me veja, ou me olhe e não entenda porque eu estou ali. Eu estou ali para não ser entendida. Não quero os comentários, não quero os conselhos, as razões. Quero chegar e virar o lugar, sombra, entulho, lata amassada pneu encostado bicho de árvore exercitando a minha desimportância das coisas mais plenas que existem. E quando me olhem, sem que me vejam, desconfiem do que realmente sou. E quando eu desconfiar, é porque já virei paisagem.



Isa Blue.

domingo, 6 de junho de 2010

amanhã...



Hoje eu morri, acordei e morri de novo até estar no ponto exato do nascimento, onde tudo é confuso e a única certeza é não ter certeza nenhuma.
E choveu. Choveu tanto lá fora que criou uma paz aqui dentro.
Amanhã o mar não estará de ressaca, porque eu vejo a imensa mansidão na alma.
E amanhã não haverá tantas árvores caídas quanto árvores nascendo.
E amanhã não haverá deslizamentos porque todos os deslizes foram apagados.
E amanhã não haverá desabrigados, porque os meus braços podem abrigar todos os necessitados.
Hoje eu não tenho muitas certezas. Eu só sei que algo acabou hoje. E mais do que isso, eu sei que algo vai nascer amanhã.



Isa Blue

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Os Olhos Dele



Quando eu conheci os olhos dele pela primeira vez, eu devia ter colado uma placa de "Não se aproxime, pessoa altamente apaixonável", mas em vez disso eu só pensei que cabia naquele olhar.
Já conheci outros dois pares de olhos com essa mesma parecência. Um era namorado de uma amiga de trabalho de minha mãe e estava sempre nos meus aniversários, dançando, inventando coreografias para a turma. Foi minha paixonite de aborrescência. Esperou eu desencanar para terminar o namoro dele, e daí em diante pouco nos vemos. Outro, meu professor, casado e fiel. Libertário. Pessoa com idéias magníficas.
Gente com esses olhos é comunicativa, um pouco tímida no começo, sim, mas com personalidade e boas opiniões. Bons amigos, todos eles.
Os olhos não mentem. Veja só, quando conheço alguém cujo olhar me remete a outra pessoa que tenha ficado colada numa das páginas do meu passado, sei que são pessoas bem parecidas. Sendo assim, basta-me conhecer o olhar.
E os dele são olhos de desenho animado. Dessa gente que tem problemas com excesso de compaixão. Dessa gente pela qual os olhos da gente suspiram e se apaixonam na primeira curva. Esses olhos amigos que depois vão embora com tanto cuidado, tanto cuidado para não molhar os olhos de ninguém...


Isa Blue

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Escultura de fumaça



Tenho em mim as pontas dos punhais
as lâminas lambidas das espadas polidas
a vertigem dos sem nome
e você envolto em fumaça num altar com uma vela queimando
a naftalina me dá aftas
bebi tua fumaça numa única golada fiquei bêbada de irrelevâncias
minha vestal meu incensário meu dicionário de capa dura edição de 1943 comido por traças alfabetizadas

coitados dos imortais que sempre serão lembrados por seus defeitos

pois um defeito imortal é sempre maior que um acerto imortal

coitadas das imagens do passado que não tiveram a chance de errar

pois o espírito saudosista não nos deixa nunca lembrar dos beliscões doloridos e das bengaladas nas canelas, só vemos dias floridos e empadinhas de queijo

coitadas das flores que nunca tiveram o direito de serem feias

ninguém é capaz de amar as flores

não se ama o belo tão sinceramente quanto se ama o feio

não se ama o eterno tão sinceramente quanto se ama o finito

as irrelevâncias me consumem
absorvo a importância de ser fumaça
como o pensamento mais rápido sem rastros nem rabo
passar sem belas formas e ser amado
engolido como fumaça
como se intoxicasse o ser de brevidades




Isa Blue

Do Pensamento




eu não sou dessa gama de pessoas que têm medo da morte, do deterioramento, do oco dos anos.
meu medo maior é do pensamento.
é pensar em você envolto em fumaça,
é olhar você e ver os espaços vazios onde ficavam todos aqueles detalhes,
é pensar no que não há depois do depois,
refletir sobre todos os absurdos inevitáveis,
é achar que talvez amanhã possa ser diferente, e conviver com a dúvida e a ilusão,
é garimpar os dias atrás do indiscutível
e lembrar com carinho de tudo que já foi.


Meu medo é estar no futuro e lembrar o que fiz
e não saber quem eu sou.




Isa Blue