sábado, 11 de julho de 2009

Regressão

Há muitos séculos atrás, na Idade Média, a bruxaria era condenada e as famílias que praticavam a Velha Religião eram perseguidas.
Astarte era uma jovem menina na época, recebeu este nome de sua mãe, praticante da Velha Arte. Ela e sua irmã já se iniciavam na bruxaria bem cedo.
A mãe de Astarte, não agüentando mais a perseguição dos vizinhos, teve que fugir para um lugar bem ermo, onde só se pudesse chegar atravessando uma traiçoeira floresta. Mas sua mãe conhecia os segredos da terra e seguia os sussurros da Deusa. Um lugar onde estariam seguras, longe do povo de sua aldeia, onde pudesse criar suas filhas em paz. Ali se instalaram e levantaram sua casa. Foi neste lugar que Astarte viveu até o dia que se viu sozinha.
Um dia chegou um cavalo com um cavaleiro ferido a seus cuidados. Astarte lhe deu abrigo, água, comida, tratou de seus ferimentos e em sua casa ele repousou por longo período, até se recuperar. Este cavaleiro lhe contou que havia sido ferido durante a guerra e que seu cavalo devia ter se embrenhado sem rumo na floresta, até chegar ali. Enquanto ele esteve lá, os dois tiveram um romance intenso. Porém, o cavaleiro, de nome Rafhael, tinha outra pessoa em seu coração; uma jovem que cuidava dos doentes e acolhia os rejeitados.
O tempo passou e Rafhael seguiu seu caminho, deixando Astarte para trás, mas prometendo voltar.
Houve outras oportunidades, se encontraram outras vezes, ele contava à Astarte as novidades da cidade, das guerras, de outros povos...
E ele sempre deixava Astarte prometendo voltar um dia.
Entre uma ida e uma volta, às vezes, sentava na mureta de pedra e olhava fundo o horizonte, e esperava.
Porém, da última vez que ele apareceu, estava preocupado, agitado, alguém havia batido para a guarda que a sua amada abrigava inválidos e ela foi levada e presa. Rafhael estava tramando um plano para resgatá-la.
Talvez Astarte tenha sentido que ele fracassou quando não mais voltou. Talvez Astarte tenha previsto que não era seu destino ficar com este rapaz, mas ela o amava tanto, que não podia prendê-lo. Ela apenas aceitava.
Os anos foram se passando e, sabendo do não-retorno de Rafhael, Astarte foi se conformando. Ela vivia além da floresta, e nunca ia na cidade para nada. O isolamento era sua única segurança.
Mas, sem ter mais notícias do mundo além-floresta, ela também corria perigo. Ela não sabia que as coisas andavam conturbadas. Não sabia que a caça às bruxas estava no seu auge. E, tanto não sabia, que foi pega de surpresa quando as tochas chegaram, queimando a floresta. Alguns fugitivos tentavam escapar, mas o fogo se alastrava com facilidade. Astarte ainda lembra dos ramos de verbena queimando nas janelas de sua casa. E quando a levaram para fora, e amarraram seu corpo em cima de uma fogueira, ela não pensou na dor, pois ela não conhecia a dor. Ela vivera de e para a Terra. Ela era a água, o fogo, o ar, a terra e o espírito.
Quando as chamas alcançaram Astarte, ela já não estava mais lá. Seu espírito assistia a tudo de cima enquanto os incendiários se deliciavam com a fúria do fogo que contorcia seu corpo, sem saber que o fogo se apiedara do seu espírito.
Ela ainda reencontrou Rafhael em outra vida. Mas ela sabia que o seu destino não era dela.
Astarte reviveu quando foi lembrada. Hoje a mulher que possui um pedaço do espírito de Astarte, luta contra a cidade para não se apagar, para conseguir estar em tão alto nível de desconhecimento dos comos e porquês e se concentrar apenas na Mãe-Terra e em tudo que ela tem para oferecer se você souber trilhar seus caminhos e escutar seus sussurros.

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