segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Prazer, Espelho.

Não tem pergunta mais filhadaputa pra um poeta do que "Quem é você?". Cê quer o resumo ou as obras completas? Acho que o resumo é mais caro.






Olho e vejo. Muitas vezes, sinto. Quase nunca falo, porque não compreendo. Nem quero. Calar, não. Calar é querer dizer e não dizer, é ter as palavras e omitir. Eu não tenho. Pouca coisa tenho. Medo, não, às vezes, uma tristeza funda.
Ando olhando pra baixo porque meço minhas pegadas e reavalio tudo a todo instante. E eremito. Como se de nada e de lugar nenhum fizesse parte.
Falo comigo enquanto ando cismada, porque ninguém sabe conversar comigo feito eu. Nunca me darei uma resposta atravessada ou um olhar duvidoso. Gosto de falar das coisas que sei. O que não sei vira piada, pois em todo lugar cabe de ter bom-humor, até velório. Aliás, quando eu morrer, quero que tenha um sarau no meu velório. Eu, sendo a anfitriã, faço questão de que não haja nenhum minuto de silêncio porque o silêncio serve pra ouvir o que os ouvidos não podem. Na tristeza, o bom é gritar, não deixar calhar de o pensamento pensar. A morte é o eterno silêncio, dessa eu entendo muito bem, ando morrendo desde que nasci e acho até que já tenho esse cheiro de livro velho, capenga, de capa despregando do corpo.
Acho que minha cara já não faz parte deste corpo surrado e amarelo que ganhei. Acho, inclusive, que minha cara é uma capa muito sem propósito.
Não sou coisa comum, sou simples de se ver e se saber. Tem gente que nem sabe que sabe e me conhece melhor do que eu. É muito fácil olhar pra mim e ver por dentro, nem precisa arrancar meus olhos. Mas essa gente gosta de ficar imaginando entrelinhas. Eu gosto de entrelinhas no poema. Eu não sou um poema. Sou pessoa, assim, que de agora duvida se nasceu nesse mesmo planeta. Talvez eu seja um projeto de planta que anda e fala, mas não fala muito. Gosto de verde, de luz, de água, de primavera, de fazer fotossíntese... Aliás, gosto mais de fotossíntese do que de sexo. Sexo é uma coisa irrelevante. Não que desgoste, mas não tenho esse tesão de gente que tem fome. Amor eu gosto. Mais que tudo. Mas amor já tá feito, a gente só vem pra sentir. Sentir é o sentido da vida. Parece até óbvio demais. Mas o que é óbvio nem sempre está na cara, ou na capa. Aí eu sinto tudo e vou absorvendo aquela massa gelatinosa até virar outra coisa, porque é o sentimento que tem força pra mudar a gente. Pensamento não tem, não.
Eu até descobri, esses dias, que nem carecia de ser feliz. Felicidade é um estado de contentamento permanente, que é só uma ideologia, assim como outras idéias malucas que a gente inventa pra preencher esses espaços em branco da vida. Como a normalidade, por exemplo. Absurdos.
Aliás, o homem vive demais e não sabe pra quê. E, na verdade, não vive nada. A gente precisa tanto de tudo que é frágil que, no fim, os sentidos se perdem.
Gosto de tudo ao mesmo tempo e não gosto do tempo. Tempo é uma medida de perda. Não gosto de perder. Se fosse de brincadeira, tudo bem, mas nunca é.
Sou ansiosa, mesmo assim. Fico triste com pouco. Eu até achava que era dramática de sofrer por antecipação, mas na verdade eu tenho é um sexto sentido que me diz o que acontece antes de acontecer, pra não perder tempo, e eu nem sempre acredito nele e toda vez é tempo perdido.
Costumava gostar de mudanças, mas as coisas mudaram tanto que eu nem consigo mais.
Às vezes eu chovo também. Vou longe de ir virando máquina enferrujada. E eu sei que é depois da chuva que vem a terra fértil e o sol nasce mais quente, mas nunca acredito nisso na hora em que digo.
Dor de amor dura duas semanas e é uma das piores gripes que tem. Derruba mesmo. Mas aí chove, chove e, na data estipulada, essa nuvem seca e sai de cima da cabeça da gente. Amor que dói eu também não gosto. Mas quanto a isso, é absurdo falar. Amor não é questão de querer, mas de sentir. Dor de amor é pior que dor de parto, porque no parto a gente traz ao mundo e, no amor perdido, a gente mata, morre e ainda tem que se livrar dos indícios.
Eu sou uma pessoa que se sente viva e sabe que o tempo está virando à esquina. Quando calhar de olhar pra cara dele, que seja bem nos olhos e então aprender a adiantar e rebobinar a fita como manda a consciência.
Nem sempre eu tenho respostas, nem dias pra ficar procurando na bagunça do meu quarto. Quando acontece esse incidente, eu desligo, desplugo e reinicio. Dar boot é muito bom, mas nem sempre a gente consegue. Quando não sei o caminho, pego os caminhos do meio.
Às vezes procuro respostas nos outros, mas ultimamente não tenho feito isso porque os outros são os outros. Quê poderão saber eles das minhas respostas mais que eu? Passamos algumas vezes por elas e preferimos olhar pro outro lado. Tampouco me sinto no direito de dar respostas a alguém, ainda que isso me prejudique, pois seria antecipar algo que alguém não está pronto pra ouvir, aliás, nem eu pra falar.
Já falei das palavras. Tem hora que vêm as palavras mas não vem o contexto no qual dizê-las. Aí também não é calar, é esperar pelo momento. O momento, esse cara, sempre deixa a gente saber que está chegando, mas quando chega mesmo, a gente só vai perceber depois que passou.
Gosto de andar de ônibus, ver pessoas se olhando, ver e ser vista por um estranho que nunca mais. Desapegar pra não perder um ponto. A vida inteira são escolhas e atitudes de quando puxar a cigarra. Desapego é preciso e a gente gosta porque, no fundo, ninguém quer ficar sofrendo com despedidas. Se eu pudesse, ficava feliz, dava festa, soltava rojão...mas "despedir dá febre", como disse Diadorim. Tem que desapegar, soprar pra soltar o nó e pensar que esse suor frio é fome, e depois não pensar mais nada.
Meus passos fazem o caminho que me leva pelo mundo. Às vezes piso flores, às vezes, esterco. Não me preocupo em limpar os pés antes de entrar, porque, mesmo que eu quisesse, meu caminho percorrido entranhava neles e diria: "meu amigo, livre-se de todos os souveniers da viagem, mas não esqueça a bagagem no aeroporto."
Vou tentando pescar peixes voadores, torcendo pelo mocinho e pelo bandido, pra dar empate, procurando um lugar comum que me aceite, chovendo, pintando dragões com vermelho e pedrinhas de amarelo, matando quimeras, guardando passos, amando outros e morrendo de tempo.

Quem é Você? Muito prazer, Espelho.




Isa Blue

Um comentário:

  1. minha linda isa arco iris... talvez eu saiba por que choro ao te ler, não que seja de tristeza, mas choro de reconhecimento.
    postamos quase que ao mesmo tempo sobre perdas e danos e tempo, tempo, tempo.

    "despedir dá febre"

    apenas te digo entre o sal de algumas lágrimas: o que arde, cura!

    e la nave vá...

    amor...

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