quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A Noite de Dentro




Ela andava pela casa tentando preencher os vazios portáteis e se sentia em sobra, como não pertencesse àquele espaço, como os espaços fossem poços, como aquela hora fosse eternidade. Ela não sabia.
Ela sabia que não sabia. Mas no seu olhar sustentava a certeza que queria. Não porque preferia, mas porque precisava. E proferia seu mantra cármico "Por quê? Porquê?", e se cobria do manto cósmico. Se olhava pro céu, nada via que lhe desse respostas.
Assim passava as madrugadas distantes de tudo que era racional, pois não há nada mais racional que o desamor e o desapego, tudo que ela rejeitava. Pois quem nasce no fogo só se queima com o frio, que deixava seu coração em caldas e derretia sua alma semi-nova. Por quantas vezes dormiu o gosto daquele corpo em sua boca? Por quantas vezes sentiu aquele sangue em seu corpo? Por tantas vezes sorriu nem sabe como, mas o riso doeu seus dentes morderam um pedaço do que tinha de melhor: a entrega. Ela olhava pros lados e tudo lembrava a da sua alegria de viver, não parecia tão distante. A mão se abriu, o braço se
estendeu para tocá-la. O peso do ar no limite de seus dedos. O preço da vida é muito alto para amar mais de uma vez.
Mas quando ela toca nos primeiros fios da aurora, Hemera lhe concede o passe pro sono, não se importando com o que tiver pra doer. Talvez pela fraqueza de não poder ver o dia nascer sozinha, pela lembrança dos dias nascidos nos olhos de quem não está. Seja como flor, ela se deita em seu canteiro e adormece bela ao canto dos passarinhos sonolentos e toda primavera pousa naquele outono cinza, cobrindo de cheiros, raízes e colibris aquele corpo cansado de se sentir vivo. A estação onde tudo renasce e desaflora. E ela, dormindo em sono profundo, até parece mais leve, como se o vento pudesse soprar. A
tranqüilidade inquietante agora procura outro luar.
Hoje as pedras são amarelas, os rios cantam e árvores estão em festa. Nela, pousa um ar divertido entre um suspiro invertido, como se soubesse que é hora de deixar a vida lá fora lhe provar que ainda pode sorrir, renascendo das flores pisadas. E florir.

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