quarta-feira, 30 de junho de 2010
Inadmissível
um sorriso lateral aconteceu quando fizemos as pazes, a amizade estava refeita, brincava comigo pra me deixar à vontade, as conversas se misturavam.
Ele disse, Eu não gosto disso, Gosta de quê então? não sei qual era o assunto, bloqueei, podia ser balinha de caramelo, mas ele estava abraçado comigo na minha frente, e depois eu percebi com estranheza que nossas bocas se atraem.
Ele tonteou e se jogou no sofá dizendo Por que você fez isso? Eu só disse que não gostava, e você..., Eu? Eu que te beijei?, na verdade eu ainda não teria percebido que ninguém tomou a iniciativa, falei, Quando um não quer, dois não...pontinho-pontinho-pontinho. Isso teria sido o ápice da noite, ele jogado no sofá me olhando sem acreditar, eu sentada ao lado dele tentando dizer que não fui eu, mas de quê importava quem tinha sido? Pára!, Parar...?, Pára de ficar brigando contra isso, eu disse. E vi as máscaras no chão. E vi ele no sofá. Até que ninguém precisasse dizer do que gostava, pois nos conhecíamos muito bem.
E assim aconteceu. Até onde a gente queria e não sabia admitir.
Isa Blue
terça-feira, 22 de junho de 2010
Senzala
A Casa-Grande estava desolada pelo espanto
o sol nem sabia se entrava ou saía
Vestidos de seda caçavam meninas antigas
em seus cabelos tranças cheiravam à épocas distantes
Um indício de vento subia pelos bigodes do senhor
e sua cara se tornava mais amassada ainda
quando berravam as chicotadas podia se ter certeza que o cavalo era negro
e as carroças sempre traziam a tarde com elas
num barraco muito pobre a África cantava
que mesmo debaixo do inferno nunca se perdeu da sua magia
alguns fugiam na noite e viravam poeira
algumas deitavam seu corpo e esqueciam suas almas
muitos foram animais
todos foram gente
Tanto tempo se passou que o tempo se perdeu
e veio gente da cidade
A família nova não sabia o que era essa sombra
debaixo da soleira da porta
mandaram tirar aquele tronco do meio do pátio
construíram um campo de futebol
Às vezes se ouvia uma cantoria no fundo do quintal à noite
O lugar tinha lá suas considerações finais.
Isa Blue
domingo, 13 de junho de 2010
Amores - Tonho França
(escultura de Antonio Canova; "Cupido e Psichè")
Amores
(Tonho França)
Amores ficam na retina, nas redes vazias,
entre primaveras tardias, nos poemas que cantam
estrelas arredias pousando em mares ternos.
Amores ficam, amores eternos,
nas gavetas trancadas das lembranças eternizadas,
nos outonos tantos de ipês amarelos
amores ficam, amores eternos,
nas praças com nome de Marias ou Helenas,
nas igrejas, nos campanários,
na saudade que dispensa calendário
amores dançam nos casacos antigos invernos
melodias que ardem nas brasas quietas da lareira,
no vinho que embriaga o cálice nas sextas-feiras
nas horas em que anos dilacero, sentimentos imutáveis
amores ficam, amores eternos,
ainda que inalcançáveis
amores serão sempre amáveis...
entre primaveras tardias, nos poemas que cantam
estrelas arredias pousando em mares ternos.
Amores ficam, amores eternos,
nas gavetas trancadas das lembranças eternizadas,
nos outonos tantos de ipês amarelos
amores ficam, amores eternos,
nas praças com nome de Marias ou Helenas,
nas igrejas, nos campanários,
na saudade que dispensa calendário
amores dançam nos casacos antigos invernos
melodias que ardem nas brasas quietas da lareira,
no vinho que embriaga o cálice nas sextas-feiras
nas horas em que anos dilacero, sentimentos imutáveis
amores ficam, amores eternos,
ainda que inalcançáveis
amores serão sempre amáveis...
terça-feira, 8 de junho de 2010
Em Ponto de Fusão
Preciso encontrar um lugar pra mim no alto de uma árvore, nos fundos de uma casa abandonada, um lugar que cheire à solidão. Um lugar secreto que seja só meu esconderijo, no final de uma rua escura, no recôndito de uma praça, onde o tempo não me encontre e passe rasteiro. Pode ser qualquer lugar que se preencha de mim quando eu chegar. A porta fechada de um bar, o meio-fio inteiro, um canteiro, uma obra, um terreno baldio. Tem que haver um lugar secreto em que eu veja o mundo e o mundo não me veja, ou me olhe e não entenda porque eu estou ali. Eu estou ali para não ser entendida. Não quero os comentários, não quero os conselhos, as razões. Quero chegar e virar o lugar, sombra, entulho, lata amassada pneu encostado bicho de árvore exercitando a minha desimportância das coisas mais plenas que existem. E quando me olhem, sem que me vejam, desconfiem do que realmente sou. E quando eu desconfiar, é porque já virei paisagem.
Isa Blue.
domingo, 6 de junho de 2010
amanhã...
Hoje eu morri, acordei e morri de novo até estar no ponto exato do nascimento, onde tudo é confuso e a única certeza é não ter certeza nenhuma.
E choveu. Choveu tanto lá fora que criou uma paz aqui dentro.
Amanhã o mar não estará de ressaca, porque eu vejo a imensa mansidão na alma.
E amanhã não haverá tantas árvores caídas quanto árvores nascendo.
E amanhã não haverá deslizamentos porque todos os deslizes foram apagados.
E amanhã não haverá desabrigados, porque os meus braços podem abrigar todos os necessitados.
Hoje eu não tenho muitas certezas. Eu só sei que algo acabou hoje. E mais do que isso, eu sei que algo vai nascer amanhã.
Isa Blue
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Assinar:
Postagens (Atom)